O primeiro porta-voz do mundo foi Arão, irmão de Moisés. O grande profeta irritou enormemente Deus confessando que era um sujeito pouco eloquente e articulado, na verdade em sua admirável autocrítica se considerava lento não só com as palavras mas também com as idéias e a própria razão [Êxodo 4]. Deus, convencido `a revelia, improvisou Arão como porta-voz de Moisés para se comunicar com o Faraó e com o povo de Israel. A função da dupla era libertar os Judeus e os guiar a terra prometida, onde leite e mel jorram. Extremamente interessante é a revelação que Deus falaria pela boca de ambos e, apesar da sabedoria e argúcia argumentativa divina, eles não conseguiriam convencer o Faraó a libertar os judeus. Isso porque Deus endureceria o coração do Egípcio.
Stalin tampouco era eloquente, pelo contrário, falava lentamente, com pausas enormes, falava russo com o sotaque de Quixeramobim da Georgia. Curiosamente Stalin nunca considerou sua voz de taquara rachada, sua algaravia pedestre e simplória como um obstáculo ou uma limitação para sua liderança; isso explica porque nunca teve um porta-voz. Enquanto Mussolini e Hitler eram mestres do discurso em público e inflamavam as massas, Stálin as hipnotizava com sua monotonia. As palavras de Stalin, seu tom de voz, sua lentidão, suas pausas encantavam o público como os sacerdotes faraônicos dominavam as serpentes com sua magia.
É óbvio, evidente, que Stalin fazia magia quando abria a boca. O primeiro a perceber isso foi Mikhail Bulgakov que baseou o principal personagem de O Mestre e a Margarida, Woland, que é o demo, em Stalin. Woland é um estrangeiro com um sotaque alienígena mas que fala um russo impecável. Woland ganha a vida como mágico em shows de variedades.
O profundo entendimento de Stalin por Bulgakov é revelado logo no início do livro. Woland aborda dois escritores soviéticos ateus. Um deles, o editor comunista Berlioz, instrui o poetastro Ivan a escrever um poema mostrando que Jesus nunca existiu. Woland os parabeniza, mas observa que “se Deus não existe quem governa a vida humana e põe ordem no mundo?” Berlioz retruca com um nós mesmos, os homens. Woland então sumariza porque o comunismo nunca dará certo: para governar o mundo é necessário um plano preciso e minucioso que funcione no futuro indefinidamente e o homem, que nem pode prever o que acontecerá consigo mesmo amanhã não é capaz, portanto, de planejar o futuro.
Ademais, Woland acrescenta que a mortalidade do homem é apenas parte do problema. A outra parte é que a morte chega de maneira surpreendente e imprevisível. Berlioz diz que refuta esse argumento pois sabe o que fará a noite com certeza. Woland discorda e revela então que ele morrerá com a cabeça cortada. E é isso precisamente o que acontece. Ivan enlouquece ao presenciar tudo e acaba preso num manicômio.
A mensagem de Bulgakov é marcante, apenas Satã [Stalin] tem o poder mágico de instaurar o comunismo e sua implantação é absolutamente discricionária e irracional, completamente fora do entendimento humano. Homem nenhum, nem mesmo os comunistas mais crédulos e ferrenhos, tem o poder de manipular ou conceber o planejamento central e se o fizer sera' preso ou assassinado.
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