Thursday, May 29, 2014

`As Avessas (A Rebours) de J.-K. Huysmans

Confesso que desse romance `As Avessas (A Rebours) só lembrava que se tratava de um manifesto simbolista e da ceia que o personagem principal, um figuraço chamado des Esseintes, comeu numa taverna ao lado da estação ferroviária. Lembro da ceia pois ele comeu um rabadão seguido de peixe, rosbife com batatas, umas 3 pints de cerveja [1 pint = 568 ml], e de sobremesa entubou queijo, torta de ruibarbo e adocicou o cafezinho com gin arredondando tudo com brandy. Mas isso foi em 1989, eu era jovem, inocente, sabia nada. Relendo a fantástica edição da Companhia das Letras [quando era uma editora séria] de 1987, com extraordinária tradução e introdução de José Paulo Paes e um posfácio do autor me deliciei com essa obra-prima. Não falarei das coisas boas do romance, que são abundantes. Comentarei aqui uma característica cultural francesa. Huysmans iniciou a carreira como um seguidor de Zola, nesse romance ele inverte a forma naturalista do mestre. Mas o que o distingue mesmo de Zola que é um “progressista”, i.e., um socialista, é que Huysmans olha para o passado, para alguma coisa que preste no passado francês e nele vê a Igreja e o catolicismo, ao qual viria se converter em 1892, oito anos após a publicação de `As Avessas. A característica cultural tipicamente francesa a que me refiro é o repúdio de seus intelectuais a economia de mercado e a democracia [entendida como massificação], eles são invariavelmente de esquerda ou de direita. O principal sustentáculo, o tutano intelectual, da direita francesa é o catolicismo [aliás o mesmo acontece na Espanha, e no Brasil]. Huysmans faz des Esseintes um reacionário que detesta o progresso do século XIX, odeia em particular o período em que vive, um dos poucos momentos da história da França em que a economia experimenta um menor tutelamento do governo. Ele detesta o aumento de renda da população gerado pelo progresso que incorpora as massas ao mercado consumidor, que mercantiliza tudo, inclusive a arte, e o gosto ordinário, vulgar, do povo contamina tudo. Ele repudia o acesso do povo a educação e ao voto. Des Esseintes é um intelectual, se acha superior ao populacho porque não tem que trabalhar, suar o rosto para ganhar o pão; é um dândi que se dedica integralmente a satisfazer seus sentidos. Seu repúdio a sociedade burguesa é integral, assume a defesa de três dos principais items da agenda da contra-cultura atual: Faz a apologia da homossexualidade, do crime e violência e do aborto. Giletão assumido, des Esseintes faz uma defesa velada da homessexualidade; intervém na vida de um jovem pobre e o ajuda financeiramente na esperança de que como parte do lumpen proletariado ele se manifeste, arrebente tudo com o crime e a violência e finalmente defende o aborto argumentando: “Em suma, a Sociedade reputava crime o ato que consistia em matar um ser dotado de vida; e no entanto, com expulsar um feto, destruía-se um animal, menos formado, menos vivo e, seguramente, menos inteligente e mais feio que um cão ou um gato que qualquer um pode permitir-se impunemente estrangular desde o nascimento!” [p. 201]. Curioso que em seu posfácio em que narra sua conversão ao catolicismo Huysmans nao comente, condene e nem critique essas posições.

3 comments:

Anonymous said...

"As Diabólicas", de Barbey D'Aurevilly, também é um livro incrível.

Em suma, o que você descreve é o dândi, alguém que eleva os critérios estéticos acima de tudo. Albert Camus, no seu excelente "O homem revoltado", descreve o dandismo como uma "acese degradada". As afinidades do dandismo com o terrorismo russo estão muito bem descritas na obra que valeu a Camus a inimizade de Sartre (um grande trunfo, sem dúvida).

É uma doença francesa, sim, mas não exclusivamente francesa. Seriam Byron, Swinburne e Wilde figuras tão marginais na cultura britânica?

Anonymous said...

Ascese, digo.

Selva Brasilis said...

A crítica não é ao dandismo, mas a intelectualidade francesa por seu ódio ao livre Mercado. As Diabólicas de d’Aurevilly é uma obra-prima.