Wednesday, July 15, 2015

A Concepção Soviética de Tempo e a Regra Keynes-Ramsey: O Mapa de Moscou

Um estrangeiro visitando Moscou no início da década de 30 e consultando um mapa recentemente publicado estranharia o fato de que as ruas, as avenidas, as estações de metrô e os edifícios indicados no mapa não existiam na realidade. O mapa não representava a cidade como ela era, o mapa representava o plano mestre de Moscou, isto é, a Moscou do futuro. O visitante então recorria aos mapas antigos, de dez, vinte anos atrás. Para sua surpresa esses mapas também eram inúteis, pois a maior parte da cidade de Moscou representada neles havia sido destruída. A inutilidade dos mapas de Moscou curiosamente mapeia a realidade temporal soviética compreendida intuitivamente por Karl Mannheim em seu Ideologia e Utopia. Mannheim notou que os marxistas concebem o tempo como uma série de pontos estratégicos na rota para o futuro utópico. O futuro molda o presente e define o curso da história. A forma Bolchevique para alcançar  o futuro, i.e.,  o comunismo, é simples: Faz um plano para o futuro, destrói tudo o que existe no presente que não se conforma com o plano e constrói o futuro de acordo com o plano. Eis a explicação para o mistério da inutilidade dos mapas de Moscou, o mapa presente é o plano para o futuro. A cidade presente está em mudança, onde tudo que não está planejado está sendo destruído, e supostamente uma nova cidade planejada está em construção.
Frank Ramsey era o enfant terrible de Cambridge na década de 20 e como muitos da sua geração estava fascinado com essa concepção de tempo bolchevique em que o futuro planejado molda o presente e que aparentemente torna possível a construção de um futuro melhor. Para os leigos Ramsey é conhecido como o garoto que orientou a tese de doutorado do super-fruta paranóico Wittgenstein. Além de ser um lógico e filósofo muito superior ao austríaco, Ramsey era um matemático de escol e palitava os dentes quando falava de economia. Era o único ser vivo que dobrava a fleugma de Keynes, o mesmo Keynes que desdenhava os mestres Marshall e Pigou, que rejeitava os papers de Wicksell, que ignorava Schumpeter e Mises e que tratava Hayek como peso pena.
Num papo informal numa common room bebendo umas xícaras de chá Keynes ajudou Ramsey a conceber economicamente a concepção soviética de planejamento central, bastavam duas variáveis, consumo e investimento, e o princípio elementar de economia de que todas as escolhas geram trade-offs. A idéia é que há um trade-off entre consumo presente e futuro, consumir menos para investir mais hoje gera maior produção e mais consumo no futuro. Em equilíbrio a taxa marginal de substituição entre consumo presente e futuro deve ser igual a taxa marginal de transformação da produção. Eis a regra Keynes-Ramsey que nenhum economista soviético pode formular  porque a maioria dos economistas que sabiam somar e subtrair tinham sido fuzilados e só restaram os economistas campineiros cuja função era aplaudir a ditadura de Stalin e justificar o assassinato de 10 milhões de camponeses durante o primeiro plano quinquenal.

Apesar da sua elegância, o problema da regra Keynes-Ramsey é que ela não captura a essência do planejamento central soviético que é a destruição no presente daquilo que representa o passado. Em Keynes-Ramsey há apenas a construção do futuro, enquanto na realidade soviética a construção do futuro só se inicia depois do estágio da destruição do passado. Mesmo as mentes brilhantes de Keynes e Ramsey ignoraram esse pequeno detalhe de economia política: a essência de uma revolução é a destruição e descontinuidade com o passado. Se aquilo que representa o passado -  os recursos materiais e humanos,  a combinação de ambos em tradições culturais e funções de produção - desaparece, sobre o que [e com o que] o futuro será construído? Nada, resta apenas a miséria generalizada. A riqueza e abundância sonhadas e planejadas são inatingíveis. O socialismo é a parábola dos mapas de Moscou.

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