Artigo de Leandro Narloch na Folha:
"Um detalhe
passou batido na polêmica de semanas atrás sobre a origem de expressões como
"nas coxas" e "criado-mudo". Os equívocos publicados por
agências de checagem e portais de notícia eram todos baseados em fontes
acadêmicas. Tinham aval de historiadores, doutores em literatura e professores
de português.
No portal da CNN
Brasil, uma reportagem que reproduz o erro histórico sobre
"criado-mudo" é assinada por um pós-doutor em língua portuguesa.
Como esses
"especialistas", que consumiram um bom dinheiro público e esforço
individual para se diplomarem, puderam errar tanto?
Repare que eles não
sentiram necessidade de encontrar fontes históricas de escravos que moldavam
telhas de 70 centímetros em suas coxas ou sobre um suposto costume dos senhores
de manter criados calados segurando objetos no quarto íntimo.
Erraram porque lhes
falta divergência. Há tão pouca diversidade ideológica nas faculdades de
humanas que os estudantes passam anos sem serem expostos à opinião contrária.
Na bolha em que cursam mestrado e doutorado, não há ninguém para avisá-los
quando suas ideias não fazem sentido.
Os incentivos do
ambiente acadêmico ajudam a explicar parte dessa homogeneidade. Muitos
universitários reclamam que, para serem aceitos no mestrado, precisam estudar o
que o orientador estuda, adequar-se às ideias dele e falar o que os avaliadores
da banca querem ouvir.
É um ambiente que
incentiva a conformidade, não a divergência. Professores mais velhos contratam
profissionais com crenças afins, que rezam o mesmo credo –e assim as faculdades
de humanas acabam se tornando "igrejas da Justiça Social", como diz o
filósofo americano Peter Boghossian.
Para um estudante que
tenta emplacar seus estudos em revistas científicas é muito vantajoso aderir a
certas narrativas. E desvantajoso demais contrariá-las.
Em 2018, Peter
Boghossian, Helen Pluckrose e James Lindsay provaram como é fácil progredir no
ambiente acadêmico repetindo jargões identitários. Os três intelectuais
escreveram artigos científicos absurdos (mas cheios de clichês politicamente
corretos) e os submeteram a revistas científicas.
Vários foram aceitos.
Um deles, "The Conceptual Penis as a Social Construct", afirmava que
o pênis é na verdade uma construção social que fomenta a masculinidade tóxica e
a mudança climática.
Em outro artigo, os
autores copiaram trechos de "Minha Luta", de Adolf Hitler,
substituindo a palavra "judeus" por "homens", e
"alemães" por "mulheres". Conseguiram ser publicados por um
periódico de estudos feministas.
A falta de cuidado
científico parece pouco relevante no caso dessas pegadinhas ou quando o tema é
a origem histórica de palavras.
A coisa complica
quando se trata com a mesma displicência análises sobre causas de problemas
sociais e alternativas para solucioná-los. Nesse caso, teorias acadêmicas que
não foram postas à prova podem inspirar políticas públicas igualmente
equivocadas."
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