Um estrangeiro visitando Moscou no
início da década de 30 e consultando um mapa recentemente publicado estranharia
o fato de que as ruas, as avenidas, as estações de metrô e os edifícios
indicados no mapa não existiam na realidade. O mapa não representava a cidade
como ela era, o mapa representava o plano mestre de Moscou, isto é, a Moscou do
futuro. O visitante então recorria aos mapas antigos, de dez, vinte anos atrás.
Para sua surpresa esses mapas também eram inúteis, pois a maior parte da cidade
de Moscou representada neles havia sido destruída. A inutilidade dos mapas de
Moscou curiosamente mapeia a realidade temporal soviética compreendida
intuitivamente por Karl Mannheim em seu Ideologia e Utopia. Mannheim notou que
os marxistas concebem o tempo como uma série de pontos estratégicos na rota
para o futuro utópico. O futuro molda o presente e define o curso da história. A
forma Bolchevique para alcançar o
futuro, i.e., o comunismo, é simples:
Faz um plano para o futuro, destrói tudo o que existe no presente que não se
conforma com o plano e constrói o futuro de acordo com o plano. Eis a
explicação para o mistério da inutilidade dos mapas de Moscou, o mapa presente
é o plano para o futuro. A cidade presente está em mudança, onde tudo que não
está planejado está sendo destruído, e supostamente uma nova cidade planejada
está em construção.
Frank Ramsey era o enfant terrible
de Cambridge na década de 20 e como muitos da sua geração estava fascinado com
essa concepção de tempo bolchevique em que o futuro planejado molda o presente
e que aparentemente torna possível a construção de um futuro melhor. Para os
leigos Ramsey é conhecido como o garoto que orientou a tese de doutorado do
super-fruta paranóico Wittgenstein. Além de ser um lógico e filósofo muito
superior ao austríaco, Ramsey era um matemático de escol e palitava os dentes
quando falava de economia. Era o único ser vivo que dobrava a fleugma de
Keynes, o mesmo Keynes que desdenhava os mestres Marshall e Pigou, que
rejeitava os papers de Wicksell, que ignorava Schumpeter e Mises e que tratava
Hayek como peso pena.
Num papo informal numa common room
bebendo umas xícaras de chá Keynes ajudou Ramsey a conceber economicamente a
concepção soviética de planejamento central, bastavam duas variáveis, consumo e
investimento, e o princípio elementar de economia de que todas as escolhas
geram trade-offs. A idéia é que há um trade-off entre consumo presente e
futuro, consumir menos para investir mais hoje gera maior produção e mais consumo
no futuro. Em equilíbrio a taxa marginal de substituição entre consumo presente
e futuro deve ser igual a taxa marginal de transformação da produção. Eis a
regra Keynes-Ramsey que nenhum economista soviético pode formular porque a maioria dos economistas que sabiam
somar e subtrair tinham sido fuzilados e só restaram os economistas campineiros
cuja função era aplaudir a ditadura de Stalin e justificar o assassinato de 10
milhões de camponeses durante o primeiro plano quinquenal.
Apesar da sua elegância, o problema
da regra Keynes-Ramsey é que ela não captura a essência do planejamento central
soviético que é a destruição no presente daquilo que representa o passado. Em
Keynes-Ramsey há apenas a construção do futuro, enquanto na realidade soviética
a construção do futuro só se inicia depois do estágio da destruição do passado.
Mesmo as mentes brilhantes de Keynes e Ramsey ignoraram esse pequeno detalhe de
economia política: a essência de uma revolução é a destruição e descontinuidade
com o passado. Se aquilo que representa o passado - os recursos materiais e humanos, a combinação de ambos em tradições culturais e
funções de produção - desaparece, sobre o que [e com o que] o futuro será
construído? Nada, resta apenas a miséria generalizada. A riqueza e abundância
sonhadas e planejadas são inatingíveis. O socialismo é a parábola dos mapas de
Moscou.
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