1) O recente artigo de Sargent e Surico tem causado frisson, especialmente entre os blogs brasileiros, no caso da polêmica entre o Sachsida e o “O”. Qual a sua visão dessa literatura?
P.H.A.: No longo prazo, só há um responsável pela quantidade de meio circulante na economia: o monopolista, o responsável por sua emissão, ou seja, o governo. Assim, a questão monetária deveria ser fundamentalmente uma questão de padrões técnicos e de sua melhor implementação, como por exemplo como melhor estabilizar a quantidade de areia num barril de concreto. A correta utilização de padrões técnicos pode ser atingida, como sempre, por meio de inteligentes políticas que envolvem mercados e governos. Infelizmente, a política envenenada que sempre esteve por trás da determinação da "quantidade de areia" no padrão monetário é o que faz com que o fenômeno da moeda seja diferente do fenômeno do concreto.
Por exemplo, qual seria o significado de falar em metro endógeno ou quilo endógeno? Óbvio que poderiam ser "endógenos" se o sistema de medidas o permitisse, mas no caso desses padrões sua aplicação é rígida, consensual e bem implementada, raramente ocorrendo a manipulação dos padrões em prol do governo ou grupos de interesse privados.
O que é especial sobre a moeda, aquilo que a distingue de crédito e de outros meios de troca, é que ela é referência de valor. Manter seu valor estável é portanto a responsabilidade fundamental do monopolista. Este monopolista hoje é o governo.
Exemplo: crédito do PayPal não é moeda. Serve como meio de troca, serve como depósito de valor, mas não é moeda. Não é moeda porque não é unidade de referência (é o dólar quem estabelece o valor do crédito do PayPal, e não o contrário), e também porque PayPal não detem o monopólio da unidade de referência.
Outro exemplo: inundações de centro urbanos "no longo prazo" (de forma permanente) são o resultado da incompetência dos governos ao gerenciar os diques rio acima. *Não são* responsabilidade de recorrentes intempéries que o governo não é capaz de controlar. Ou seja, se o estoque de moeda (definido de forma estreita) em todos países aumentou mais de dez vezes em relação ao produto, às vezes até mesmo milhões de vezes, num período de apenas algumas décadas, isso ocorreu por motivos políticos, não por motivos técnicos.
O problema dos economistas monetários é que eles querem matar elefante com cortador de unhas. Não conseguem sequer definir o problema corretamente. O economista que chegou mais próximo de fazê-lo foi Milton Friedman. Depois dele, muito do que foi produzido entra na categoria "distração".
Em suma: qualquer tentativa de desculpar governos por suas sistemáticas falhas em cumprir o papel auto-assumido de mantenedor do valor de referência da moeda não passa de apologismo inflacionário. A moeda neste sentido é predominantemente um fenômeno político (e não econômico). É por isso que hoje acredito que historiadores (como Niall Ferguson), cientistas políticos e economistas da escola de escolha pública estão mais bem equipados para entendê-lo que os chamados macroeconomistas "modernos".
2) Você trabalhou ao lado de Alexandre Tombini no Bacen. Você acha que o Tombini vai conseguir controlar a inflação num governo perdulário e fiscalmente irresponsável?
P.H.A.: Alexandre Tombini foi meu professor, colega e chefe. Com o tempo pude apreciar não somente sua competência como economista mas principalmente seu tino político e sua impressionante capacidade de navegar os corredores do poder.
O governo atual tem muita, muita sorte de possuir o Tombini entre seus quadros. Mas o Tombini tem um trabalho dificílimo à sua frente, exatamente pelas razões que você citou. De qualquer modo, não vejo nenhum outro membro no governo (e poucos fora do governo) que estariam mais preparados que ele para este trabalho.
Independentemente do que ele poderá fazer num ambiente de progressiva degeneração institucional como o que vive o Brasil, o que posso prever é que este é o momento do Tombini, que o tempo trabalhará a seu favor do ponto de vista da sua carreira política, e que o futuro lhe reservará um papel cada vez mais importante na estrutura do poder no Brasil.
3) Quais as principais diferenças entre a academia francesa e a americana, em particular entre os departamentos de economia?
P.H.A.: Questão interessante, pois estamos comparando dois modelos acadêmicos certamente bem sucedidos e inegavelmente diferentes. Poderia escrever um artigo inteiro sobre este assunto. Mas vou resumir assim: a academia americana é mais competitiva e no início de carreira e nas escolas no topo da pirâmide, nestes casos paga melhor e atrai os melhores pesquisadores no mundo, o que, especialmente em economia, garante sua posição hegemônica. A academia francesa por outro lado oferece melhores oportunidades de progressão na carreira, de forma universal e por um período mais longo. Explico: nos EUA, muitos pesquisadores entram numa fase de estagnação uma vez que atingem a posição de "associate". Isto ocorre em parte por causa da falta de incentivos financeiros para progressão e pela crescente imobilidade geográfica e profissional que se estabelece com o avanço da idade. Na França por outro lado, especialmente nas melhores escolas, o sistema meritocrático oferece incentivos financeiros ligados à produção que são aplicados continuamente ao longo da carreira do pesquisador.
O que mais me impressiona na França, porém, é a existência de múltiplos incentivos para cooperação científica entre unidades díspares e às vezes concorrentes. Nos Estados Unidos pude observar a existência de uma competição que chamaria de destrutiva entre professores e departamentos, particularmente departamentos regionais numa mesma universidade estadual. Comparativamente, o sistema francês me surpreendeu pela melhor utilização dos recursos via coordenação e colaboração. Neste sentido, trabalhar na academia francesa não somente permite o aumento da produtividade do pesquisador, mas acima de tudo torna o trabalho muito mais prazeroso.
4) Qual dos BRICs implode primeiro? e por quê?
P.H.A.: Ha, ha, boa questão. Todos podem implodir. Coloco minhas fichas em especial na China e no Brasil, a primeira devido aos desequilíbrios externos e internos e à tensão política que resulta de um sistema de governo autoritário, e o segundo, devido à sua insustentável situação fiscal e externa, além da falta de solução, após anos de governo petista, para problema básicos como os dos juros reais e do sistema tributário extremamente ineficiente. A Rússia tem seus problemas de autoritarismo e corrupção, mas a proximidade da Europa ocidental e ser o país de Tchaikovsky e Mendeleiev sempre ajudou e continua a ajudar. Eu não acredito que a Índia vá implodir, politicamente e economicamente é um país mais flexível, mas uma vez que os juros internacionais subam e os preços de commodities caiam, ela será afetada negativamente como todos demais países "emergentes".
Chamar o cara de PHA e' sacanagem.
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