Marcos Guterman
Há um crescente debate no Brasil sobre o suposto caráter autoritário do presidente Lula. O último episódio foi protagonizado pelo ex-presidente FHC, que, em entrevista, chegou a sugerir uma comparação de seu sucessor com Mussolini. Disse o tucano: “Faltou quem freasse Mussolini. Claro que o Lula não tem nada a ver com o Mussolini, mas o estilo ‘eu sou tudo e quero o poder total’ não pode. Ele tem de parar”.
Embora movido pela situação dramática de seu candidato na campanha presidencial, FHC está essencialmente correto. Num resumo rápido dessa tragédia, Lula pulverizou a lei e a liturgia de seu cargo para viabilizar Dilma Rousseff como sua sucessora; ao longo de seu governo, deu seguidas demonstrações de desprezo pelos mecanismos de controle e fiscalização, como o Tribunal de Contas da União; e expressou desrespeito pela própria existência da oposição, ao ponto de defender que um desses partidos fosse “extirpado” da política nacional, como se os eleitores desse partido não fossem brasileiros como os que dão apoio ao lulismo.
Inebriado por sua popularidade, Lula realmente está convencido de que pode tudo. Em torno dessa imagem, construiu-se um consenso segundo o qual a corrupção, o tráfico de influência, o desrespeito aos direitos individuais (como o sigilo fiscal) e outras inúmeras violações cometidas pelo governo Lula, ou com sua bênção, são aceitáveis ante o formidável projeto de incorporar brasileiros miseráveis à “classe média” – ainda que seja pela via do endividamento no crediário, e não pela verdadeira distribuição de renda. Como resultado, tem-se a apatia política, que absorve gente de todas as extrações sociais e intelectuais, dando respaldo quase bovino ao líder carismático – que, em troca, oferece a segurança de que tudo fará sentido, agora ou no futuro.
Ao longo da história, vários regimes autoritários foram construídos assim.
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