Time de tradição é assim, não basta ser perdedor. Tem que perder com estilo, com dedicação. Tem que fazer do
azar o camisa 12 e jogar com ele entre os onze em campo. Perder sempre, sim, mas com amor `a derrota. Fazer da derrota a maior conquista e se orgulhar disso, eis o legado do Botafogo ao futebol.
Selva, este deve ter sido o maior comentário EVER da Selva... Mas vou transcrever aqui alguns trechos de crônicas do tricolor Nelson Rodrigues na Manchete Esportiva acerca do Botafogo, e que estão naquele livro de compilação de suas crônicas esportivas (À Sombra das Chuteiras Imortais). NUNCA, eu disse NUNCA, Nelson Rodrigues foi tão atual...
ReplyDelete04.08.1956: "Todos os torcedores de futebol se parecem entre si como soldadinhos de chumbo. Têm o mesmo comportamento e xingam, com a mesma exuberância e os mesmos nomes feios, o juiz, os bandeirinhas, os adversários e os jogadores do próprio time. Há, porém, um torcedor, entre tantos, entre todos, que não se parece com ninguém e que apresenta uma forte, crespa e irresistível personalidade. Ponham uma barba postiça num torcedor do Botafogo, dêem-lhe óculos escuros, raspem-lhe as impressões digitais e, ainda assim, ele será inconfundível. Por quê? Pelo seguinte: - há no alvinegro, a emanação específica de um pessimismo imortal. Pergunto eu: - por que vamos ao campo de futebol? Porque esperamos a vitória. Esse otimismo é o impulso interior que nos leva a comprar ingresso e vibrar os 90 minutos. E, no campo, o otimismo continua a crepitar furiosamente. Não importa que o nosso time esteja perdendo de 15x0. Até o penúltimo segundo, nós ainda esperamos a virada, ainda esperamos a reação. Pois bem: - o torcedor do Botafogo é o único que, em vez de esperar a vitória, espera precisamente a derrota. Os outros comparecem na esperança de saborear como um chicabon o triunfo do seu clube. Mas o torcedor do Botafogo é diferente: ele compra o seu ingresso como quem adquire o direito, que lhe parece sagrado e inalienável, de sofrer. Eis a verdade: - ele não vai a campo ver futebol. O futebol é um detalhe secundário e, mesmo, desprezível. Ele quer, acima de tudo, desgrenhar-se, esganiçar-se, enfurecer e rugir. No dia em que retirarem do torcedor alvinegro o inefável direito de sofrer, ele ficará inconsolável, como um ser que perde, subitamente, a sua função e o seu destino. Tudo na vida é uma questão de hábito. E o cidadão que padece todos os diasacaba se afeiçoando ao próprio martírio ou mais do que isso: - o martírio torna-se insubstituível como um vício funesto"
04.05.1957: "O Botafogo é o clube patético por excelência. Tem contra si a fatalidade, mesmo quando assombra, mesmo quando esmaga, mesmo quando arrebenta"
07.09.1957: "Um colega de imprensa estimou em 17 pessoas os alvinegros existentes no mundo. Esse exagero caricatural, porém, não deixa de ter o seu fundo de veracidade. E, de fato, manda a verdade que se diga: - a torcida alvinegra é pequena. Equiparada à do Flamengo, à do Vasco, some, desaparece. Mas apresenta uma característica que falta às demais. É, por excelência, a torcida patética. Nem todo mundo pode imaginar o que é "ser Botafogo". Vejam um vascaíno, um rubro-negro e um tricolor. Eles se parecem entre si como soldadinhos de chumbo. Reagem diante da derrota, da vitória e do empate de maneiras bem parecidas. Suas euforias e depressões são equivalentes. Mas há, no botafoguense, coisas que só ele tem e o distinguem de tudo e de todos. Eu falei no patético que me parece ser a virtude mais pessoal e intransferível do botafoguense autêntico. Sim, amigos, é um ser que sofre e que, mais do que isso, gosta de sofrer e paga pra sofrer"
Uma vez mais, me desculpem pelo post tão longo, mas é como se deve descrever o botafogo e o botafoguense per si...
Olha, sou botafoguense. E é duro sê-lo. Todo torcedor alvinegro sabe que é distinto, sim, ganhamos e perdemos diferente. Vencer um campeonato é quase como tirar um sapato apertado, nossa ruína é resignar-se a ele. O empate é fúnebre e melancólico, nem branco, nem preto, cinza. O purgatório não existe para o Botafogo, sempre há sofrimento, até a glória é alívio. Vence suas guerras como perde suas batalhas, o time que mais doou jogadores à seleção mais vitoriosa do mundo encara tudo sem a soberba dos afetados. Nasceu tradição, e não folclore fácil.
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